O foco do marketing convencional sempre foi fortemente na compra real de produtos e serviços. Isto é lógico, pois geralmente é o momento em que um contrato é estabelecido (explícito ou implicitamente) entre o comprador e o vendedor, e a propriedade dos produtos é transferida para o consumidor. Do ponto de vista jurídico e econômico, a compra é importante.
A partir de um contexto social e ambiental, no entanto, o conceito de um produto se relacionará com outras etapas do processo de consumo total que antecedem e seguem a compra. À medida que as consequências sociais e ambientais negativas da sociedade de consumo, dos sistemas de produção e consumo, se tornaram cada vez mais acentuadas, elas gradualmente começaram a influenciar as atitudes e o comportamento do consumidor dentro de cada etapa do processo de consumo total (BELZ; PEATTIE, 2012). A seguir:
Reconhecimento da necessidade – os seres humanos têm uma série de necessidades intrínsecas e fundamentais por comida, bebida, vestuário, segurança, abrigo e de reproduzir e nutrir seus filhos. Além disso, eles têm necessidades sociais, emocionais, de status, de diversão, de amor e de autorrealização. O pensamento do marketing convencional tende a considerar apenas um desejo ou necessidade do consumidor, mas na prática os seres humanos têm um conjunto complexo de desejos e necessidades que podem interagir e até mesmo entrar em conflito. Um aspecto surpreendente da teoria do marketing é que a relação e a diferença entre desejos e necessidades permanece nebulosa e pouco explorada (BELZ; PEATTIE, 2012).
Busca de informações – as principais fontes de informação são fontes pessoais, tais como família, amigos, propaganda de fontes comerciais, informações na embalagem ou no displays da loja, informações públicas provenientes do manuseamento ou utilização de um produto. Os consumidores estão cada vez mais expostos a informações sobre questões de sustentabilidade, tais como as mudanças climáticas ou a pobreza no mundo, através de todas as fontes, e particularmente de notícias, documentários ou vídeos. As ligações entre produtos específicos e questões de sustentabilidade também estão a serem comunicadas aos consumidores através da personalização (de estímulos internos e externos) e rotulagem dos produtos, bem como através de guias de consumo ou sítios web de comparação de produtos. Um problema para os profissionais de marketing é o risco de que, na nossa sociedade rica em informação, os consumidores se tornem sobrecarregados de informação e possam tornar-se incapazes de processar a gama de questões técnicas, econômicas, sociais, ambientais e de tecnologia de informações ligadas a compras individuais. Isto leva a que os consumidores confiem em determinadas marcas ou confiem na responsabilidade social de determinados varejistas, a fim de evitar ter de processar volumes crescentes de informação sobre compras.
Avaliação de alternativas – o marketing convencional tende a assumir que, antes de uma compra feita, diferentes produtos e marcas são avaliados na escolha da compra. Os consumidores orientados para a sustentabilidade também pesarão os méritos de soluções específicas que lhes são comercializadas, e provavelmente farão comparações entre bens e serviços relativamente sustentáveis e seus homólogos em comparação aos produtos convencionais. Estes consumidores podem também recorrer a outras formas de comparação. Também pode haver uma escolha entre diferentes maneiras de acessar um produto ou serviço (por exemplo, uma escolha entre varejistas ou entre comprar na loja física ou on-line). Do ponto de vista da sustentabilidade, um conjunto mais amplo de formas alternativas para atender aos desejos e necessidades dos consumidores pode ser considerado. Formas de atender necessidades que não envolvam uma compra (como pegar emprestado de amigos ou familiares) ou que envolvam a compra de um serviço em vez de produto (possivelmente alugando o produto) podem ser consideradas alternativas. A não comprar pode ser uma alternativa válida quando um consumidor decide não satisfazer uma determinada necessidade devido às consequências sociais ou ambientais (BELZ; PEATTIE, 2012).
Compra – a compra real sempre foi um ponto focado no marketing de consumo, também conhecido como business-to-consumer ou B2C e se os consumidores podem ser persuadidos a mudar seu
comportamento de compra de produtos e serviços mais sustentáveis é um elemento-chave da agenda da sustentabilidade de marketing.
Medir o desempenho das compras também é uma medida central de sucesso no marketing comercial, e os níveis de compras repetidas são usados como medida proxy (métrica) para a satisfação do consumidor. No entanto, esta ênfase na compra pode levar a que aspectos do comportamento dos consumidores sejam negligenciados quando as suas preocupações sociais e ambientais são expressas através do boicote a um produto ou da procura de uma forma alternativa de satisfazer as suas necessidades. O processo de compra de produtos terá seus próprios impactos de sustentabilidade, especialmente em uma era em que o varejo se tornou dominado por grandes varejistas.
Uso – o uso de um produto sustentável significa uso eficiente e manutenção, a fim de prolongar a vida útil do produto. O exemplo mais citado é a máquina de lavar roupa, onde 87-98% dos diferentes tipos de impactos ambientais podem estar na fase de uso (BELZ; PEATTIE, 2012).
Pós-uso – o marketing convencional raramente restringe o comportamento pós-uso além da oportunidade de uma compra repetida que o fim da vida útil ou uso de um produto existente pode apresentar. A preocupação com a sustentabilidade dos aterros sobrecarregados tem tornado a fase de pós-uso do processo de consumo cada vez mais importante. A regulamentação da responsabilidade alargada do produtor em mercados como os automóveis e a eletrônica deu a algumas empresas a obrigação legal de retomar e lidar com produtos de pós-utilização (BELZ; PEATTIE, 2012). A exemplo dos 4R’s da sustentabilidade: reduzir, reutilizar, reciclar e recuperar. Eles nos ajudam a fazer mudanças simples que têm um impacto significativo na sustentabalilidade do nosso Planeta (RODRIGUES, 2023).
No que diz respeito à conceituação do comportamento de compra do consumidor, várias definições têm sido apresentadas para explicar essa variável. Os conceitos giram em torno dos comportamentos realizados pelos consumidores no momento da decisão de compra de um determinado produto.
Desta forma, a abordagem mais amplamente aceita na literatura gira em torno da Teoria do Comportamento Planejado (TPB), que propõe que o comportamento pode ser previsto pela análise das atitudes, normas subjetivas e controle comportamental percebido dos indivíduos (AJZEN, 1991). Neste sentido, o comportamento de compra implica em considerar o planejamento e o esforço que as pessoas estão dispostas a fazer na hora de comprar.
Apesar de sua popularidade, esta abordagem acima citada tem sido criticada por se concentrar em intenções em vez de comportamentos reais e por não refletir a importância do contexto e a natureza habitual e inconsciente de muitos comportamentos de consumo (BELZ; PEATTIE, 2012).
Em relação ao conceito de comportamento de compra sob a ótica da sustentabilidade, duas abordagens foram identificadas para explicar sua definição. A primeira abordagem centra-se na preferência por produtos sustentáveis, ou seja, realçam que a decisão de compra deve ser pautada pela aquisição de um produto amigo do ambiente, que deve obedecer a um processo de produção, distribuição, consumo e eliminação que permita a sustentabilidade (JAISWAL; KANT, 2018; KHABAZ; NOROUZI, 2018; BAKTASH; TALIB, 2019). Além disso, outros conceitos orientados para o produto enfatizam o valor da marca sustentável que os consumidores percebem, o que é um impulsionador do comportamento de compra (SUKI, 2016). A segunda abordagem centra-se na ética de compra, ou seja, a decisão de compra é baseada na consciência e responsabilidade social do consumidor ao adquirir um produto ou serviço (LAI; CHENG, 2016).
Assim sendo, são consumidores que buscam satisfazer suas necessidades fazendo uso racional de suas compras, o que implica consumir o necessário para gerar o mínimo de poluição possível (GARCÍA-SALIRROSAS; RONDON-EUSÉBIO, 2022).
Deste modo, o comportamento de compra do consumidor de produtos ‘fairtrade’, ao longo do tempo, tornou-se mais orientado para o consumo ético (RODRIGUES, 2023). Assim, foram gerados novos comportamentos de compra que deram origem aos chamados consumidores sustentáveis, tornando-se um novo segmento de mercado atraente para empresas que adaptam suas estratégias para oferecer produtos e serviços sustentáveis em resposta às preocupações ambientais deste segmento de mercado (MOSTAFA, 2006; MYDOCK et al., 2018).
Estes consumidores exigem produtos menos poluentes, recicláveis e biodegradáveis. Além disso, eles exigem que suas embalagens não agridam o ecossistema. Assim, buscam contribuir para a sustentabilidade por meio de seus processos de compra e consumo (DABIJA; CHEBEŇ; LANČARIČ, 2017; DO PAÇO; SHIEL; ALVES, 2019).
Em outras palavras, o comportamento do consumidor sustentável implica respeito e cuidado com o meio ambiente no momento da compra (GARCÍA-SALIRROSAS; RONDON-EUSÉBIO, 2022). Desta maneira, eles estão se tornando conscientes dos problemas sociais e ambientais existentes.
Portanto, antes de realizar a compra, os consumidores buscam informações sobre o produto ou serviço, que deve possuir atributos ecologicamente corretos em sua produção, comercialização, uso e descarte. Além disso, a empresa que fornece o produto também é avaliada em termos de imagem e reputação. Estes aspectos influenciam as decisões de compra dos consumidores.
Por esta razão, o modelo do processo de consumo total composto por seis etapas: reconhecimento da necessidade, busca de informações, avaliação de alternativas, compra, uso e pós-uso sustentável, explica como as empresas podem transformar uma sociedade de consumo ético por meio de pesquisa sobre o comportamento do consumidor sustentável que impacta no comportamento de compra do consumidor.
Finalmente, recomenda-se a realização de estudos empíricos experimentais e longitudinais para testar a aplicação do modelo de sustentabilidade de marketing em empresas brasileiras (RODRIGUES; RODRIGUES FILHO, 2018; RODRIGUES, 2021).
José Austerliano Rodrigues é Administrador, Analista de Sustentabilidade em Marketing e Professor em Gestão de Sustentabilidade em Marketing e de Empreendedorismo Sustentável, com doutorado em Sustentabilidade de Marketing pela UFRJ.